domingo, 31 de janeiro de 2010

Era uma vez a cura e o alento...


Saúde: é no complexo revitalizado daSanta Casa de Misericórdia e da capela Nossa Senhora da Boa Morte que um projeto mostra seu vigor ao envolver educação, cultura e ação social
Érica Araium
erica.nogueira@rac.com.br

Num tempo em que varíola, cólera, febre amarela e outras enfermidades dizimavam grande parte da população campineira, era a Santa Casa de Misericórdia que abrigava a possibilidade da cura e do alento. As preces, rogadas a todos os santos, dirigidas aos céus defronte ao altar da capela Nossa Senhora da Boa Morte. Ambos prédios situados no quadrilátero das vias Júlio de Mesquita, Benjamin Constant, Padre Vieira e Barreto Leme, hoje tombados pelos conselhos de Patrimônio Cultural do Município, Condepacc (conjunto da edificação), e do Estado de São Paulo (capela) seguem icônicos no mesmo endereço. A ocupação e o uso, depois de 20 anos de abandono e descaso, ganharam nova acepção depois da intervenção dos trabalhadores da Saúde de Campinas. Representados pelo Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Saúde de Campinas e Região (Sinsaúde), fundaram o Instituto de Saúde Integrada – ISI. Pela descrição formal, publicada inclusive na web (www.isicampinas.org.br), trata-se de “uma organização não-governamental, sem fins lucrativos, instituída em 2006, com a missão de promover ações humanizadas por meio da educação, cultura, ação social, ensino e pesquisa para a sociedade e, particularmente, para os trabalhadores da saúde”. A proposta, no entanto, tem ido além. É minucioso o processo de restauro do prédio que “nasceu” para ser Santa Casa, abrigou o Asilo de Órfãs (1870 e 1960), formou o Hospital Irmãos Penteado (na década de 20) e serviu de sede à Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (1963-1985). A ala norte do prédio, que serve de sede ao ISI – área de 2,5 mil m² dos 8 mil m² da Santa Casa – está bem diferente. Telhas, piso, escadarias, janelas e salas recobraram as características originais, esmiuçados em projeto do engenheiro civil Aloysio Félix. Desde 2006, R$ 3 milhões foram investidos nas obras de restauração (Santa Casa e capela), compromisso assumido pelo Sinsaúde, que detém o comodato de uso e restauro até 2028. “Quando resgatamos o percurso histórico do prédio da Santa Casa não ficou difícil configurar o ISI como ele é hoje. Então, um projeto que começou na Casa de Saúde a partir da necessidade de incluir digitalmente os trabalhadores transformou-se numa proposta mais ampla, que envolve educação, ação social e cultura”, diz Leide Mengatti, diretora-executiva do ISI. 

De cara nova


Os cômodos da Santa Casa ganharam nova finalidade, a exemplo de um antigo salão num dos extremos do pavimento superior outrora destinado a tratar os mais enfermos, erguidos por mãos escravas, e hoje projeto de uma sala de um auditório para 120 pessoas, anexo ao Salão de Eventos para outras 200. Sete salas de aula, três laboratórios (dois de informática e um de enfermagem), biblioteca e toda estrutura necessária a municiar o complexo projeto pedagógico do instituto já estão configurados como deve ser, recebendo, em média, 500 alunos por ano e milhares de trabalhadores da saúde dispostos a frequentar cursos livres, ofertados periodicamente. As paredes evidenciam as cuidadosas intervenções. Ganharam cores e contornos novos graças ao trabalho dedicado do restaurador Antonio Luis Sarasá e equipe. A paixão pelo ofício é tamanha que há quem empunhe bisturi ao se encantar com a história da Saúde de Campinas. Reinaldo Masson, hoje braço direito de Sarasá, repensou até os próprios rumos. “Antes era segurança e comecei a me interessar pelo restauro durante obras no Palácio dos Azulejos (sede do Museu da Imagem e do Som). Quando começaram as obras de restauro da Santa Casa de Misericórdia, envolvi-me com vontade, a ponto de pensar em me dedicar por inteiro ao novo ofício. E pensar que meu sobrenome quer dizer ‘o arquiteto, o pedreiro’”, constata o auxiliar de restauração. Por entre concreto e vigas, vê-se pinturas originais renascerem em quadrantes coloridos, cujos desenhos, originais, remontam ao final do século 19. É como se por entre o “branco-azul saúde” houvesse cultura transpirando perenemente. “Por isso optamos pelo restauro – e não reforma – do prédio, porque há um valor inestimável a ser revelado. Não à toa, a Secretaria de Cultura já se mostrou disposta a dar utilidade cultural a esse novo espaço”, observa Osvaldo Luis de Oliveira, diretor administrativo da ONG.
Trauma alheio

“Hoje é muito difícil atuar na área da saúde. A maioria das empresas visa lucro, esquece-se do atendimento humanizado. Reaprendi a valorizar e a discutir, no ambiente de trabalho, as relações com o paciente”, afirma Washington Nerva. Socorrista da AutoBan, revela que de 2006 em diante, época em ingressou no ISI, passou a pôr em prática o que aprendeu em sala de aula do curso técnico em enfermagem. “Sei que devo tratar do acidentado e também dar um certo apoio a ele, ouvi-lo, acalmá-lo. Às vezes divido os desabafos com as equipes do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) e Corpo de Bombeiros, debatemos bastante o nosso papel”, diz. Nerva segue em fase de preparação para concurso público da Prefeitura de Campinas no mesmo ISI em que aprendeu a lidar com o trauma alheio de um jeito bem diferente do que estava habituado. “Não aprendemos só teoria, técnica. Há bom preparo profissional e prático, além da possibilidade da adequação ao horário do trabalhador. Só poderia estudar à noite, por conta da minha rotina. Deu certo. Em abril, serei técnico, oficialmente.” A metodologia diferenciada do curso também chamou a atenção de Solange Aparecida do Amaral Santos. “Não há aula metódica, convencional. Trata-se de um curso sério conduzido por uma equipe experiente e que sabe bem da nossa rotina, que já passou por desafios semelhantes e compreende a importância do conhecimento cultural sobre saúde que a gente tem”, diz. Se seguisse a lógica preconizada na própria família, casaria e cuidaria da casa, apenas. “Minha mãe quis ser enfermeira, mas isso não era visto com bons olhos. Comecei a trabalhar já adulta, sempre em hospitais, depois de casar, ter filhos e me separar. Fiz supletivo, procurei o curso de inclusão digital do ISI e me interessei pela área administrativa da enfermagem, área em que trabalho atualmente no Hospital Beneficência Portuguesa.” Instigada a seguir em frente, passou a cursar o técnico em enfermagem e, para surpresa de colegas de trabalho mais tarimbados, inscreveu-se num concurso do Hospital de Clínicas da Unicamp. “Queria saber como era fazer uma prova do tipo. Dos mais de 2 mil inscritos, passei em 70o lugar. Nem eu acreditei”, conta. O teste que “tirou de letra” envolvia questões simples para quem já havia aprendido, inclusive, a gerenciar pessoas, trabalhar as relações interpessoais e a se portar numa entrevista de trabalho. “Aproveitei muito o curso do ISI e me formo este ano. Quero me especializar em saúde feminina e, em breve, cursar uma boa faculdade de enfermagem”, afirma realizada, aos 39 anos.
Cultura também é saúde

Ao adentrar o prédio histórico que acolhe o instituto, descobre-se que, atrelada à memória da Saúde de Campinas, há outras tantas, todas embebidas de cultura. “E é natural que seja assim. São elementos intrínsecos e a proposta é propiciar ao trabalhador da saúde uma visão macro da relação entre o desenvolvimento da cidade de Campinas. Como? Por meio do conhecimento da história da Saúde, do patrimônio e do decorrente crescimento da área em que esse trabalhador atua”, pondera Mirza Pellicciotta, coordenadora de Planejamento e Informação da Secretaria de Comércio, Indústria, Serviços e Turismo da Prefeitura e mentora do vértice cultural do ISI. Três anos atrás, Mirza mirou os “vizinhos de porta” almejando propor à coordenação do instituto a incorporação da Santa Casa de Misericórdia de Campinas numa nova rota cultural e turística – o Roteiro da Saúde. O projeto se configurou tão bem que, hoje, qualquer cidadão campineiro pode compreender, num breve tour a pé por ruas e hospitais antigos da cidade, que a mesma Campinas que penou durante a epidemia de febre amarela de 1889 desde a década de 70 tornou-se referência nos avanços da medicina. “Uma maneira inteligente de educar é tornar as aulas cada vez mais interativas. Por isso é interessante compor uma aula de farmácia, por exemplo, com noções de como era e como é o desenvolvimento de fármacos, bem como resgatar a cultura popular, o conhecimento intuitivo sobre o tratamento de enfermidades, assunto riquíssimo. Assim vai-se além da parte técnica”, observa Mirza. Amparada por essa percepção, a coordenação do ISI espera tornar o Museu Virtual da Saúde realidade ainda em 2010. A proposta ousada lembra, em formato, o que se estruturou no Museu da Língua Portuguesa. Tanto alunos matriculados no instituto quanto interessados pela história da Saúde poderão acessar, via internet, as informações no acervo do projeto. “Será uma ferramenta de olhar sobre a Saúde, concebida, modificada e complementada pelos docentes do instituto”, explica Mirza. Segundo a coordenadora, a Secretaria de Comércio, Indústria, Serviço e Turismo de Campinas já é parceira na empreitada. Um segundo passo será dado em direção ao Governo Federal, por meio de projeto formal ao Ministério da Cultura – cadastro de proposta para concessão de incentivo via Lei Rouanet.
Roteiro da Saúde

Não se assuste se cruzar com uma baronesa digna de nota caminhando pelas ruas do Cambuí e do Centro nas manhãs de sábado. Caracterizada como figura de séculos passados, a guia Giovana Baú, funcionária do ISI, conduz qualquer cidadão pelas frestas de memória de espaços e instituições da cidade que guardam marcas e testemunhos da trajetória da saúde. Com atenção sobre o entrelaçamento dos campos de engenharia, arquitetura, saúde, entre outros, o roteiro resgata e discute temáticas contemporâneas muito caras à cidade. Santa Casa de Misericórdia, Jardim Carlos Gomes (antigo lixão), Largo São Benedito (originado como cemitério de escravos) Casa de Saúde (criada nos anos 1920) e Largo do Pará (região de captação de água e local dos trabalhos cotidianos desempenhados por escravos) são parte do tour. Entre julho e dezembro de 2009 foram realizadas 20 edições do roteiro, contemplando um público de 240 pessoas. As saídas são aos sábados, às 10h, em frente à entrada principal do Centro de Convivência Cultural Carlos Gomes. Informações pelo telefone 3232-4655.
Serviço - O ISI fica na Rua Barreto Leme, 1.552, Centro, f. 3232-4655.




Bancos de teses e dissertações

Bancos de teses e dissertações
Teses e Dissertações de 1435 universidades de 62 países

red latinoamericana

Prá circular..

red de patrimonio turistico

red de patrimonio turistico
Red Iberoamericana de Patrimonio y Turismo

Sustainable Tourism Programme - Unesco

Mais de 25 milhões de comentários e opiniões de viajantes

Casas do Patrimônio - Iphan

Casas do Patrimônio - Iphan

portal iphan

portal iphan
Portal do IPHAN

Unesco

Unesco
Unesco World Heritage Centre

world heritage

world heritage
1001 Wonders

unesco portal

agenda 21

Patrimônio e Paisagem

Arqueologia industrial

Arqueologia industrial
international organisation for industrial archaeology and the industrial heritage

unesco biblioteca mundial

unesco biblioteca mundial
Biblioteca Digital Mundial

itau cultural

patrimônio e turismo

brasil europa

brasil europa
BRASIL-EUROPA

Mercado Ético

petitions